Artigos | Postado no dia: 5 setembro, 2025

Alimentos avoengos: a responsabilidade subsidiária dos avós na complementação da pensão alimentícia

O direito a alimentos ocupa lugar central no ordenamento jurídico brasileiro, sendo expressão da dignidade da pessoa humana e do princípio da solidariedade familiar. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 229, estabelece que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”, enquanto o artigo 230 dispõe que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas”. O Código Civil de 2002, por sua vez, no artigo 1.694, prevê que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social”.

No âmbito da pensão alimentícia, a responsabilidade primeira recai sobre os pais, que possuem o dever legal e moral de prover o sustento dos filhos. No entanto, em determinadas situações de inadimplemento ou impossibilidade, surge a figura dos chamados alimentos avoengos, ou seja, a obrigação dos avós de complementar a pensão devida pelos genitores.

Este tema é de especial relevância prática, pois, embora a obrigação avoenga seja subsidiária, muitas vezes os avós acabam sendo chamados a suprir a lacuna deixada pelos pais, especialmente em casos de abandono, desemprego ou falecimento.

  1. Natureza jurídica dos alimentos avoengos

A doutrina e a jurisprudência consolidaram que a obrigação alimentar dos avós possui caráter subsidiário e complementar. Isso significa que não há solidariedade entre pais e avós no primeiro momento: os avós só são chamados a cumprir essa obrigação caso fique comprovada a impossibilidade total ou parcial dos genitores em arcar com os alimentos.

O artigo 1.696 do Código Civil dispõe que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Dessa forma, a obrigação dos avós não é automática, mas sim derivada da impossibilidade dos pais em atender integralmente às necessidades do alimentando.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica nesse sentido, conforme a Súmula 596: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”

  1. A necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante

O binômio necessidade-possibilidade rege toda a matéria alimentar. No caso dos alimentos avoengos, é imprescindível que se comprove:

  • A necessidade do alimentando, ou seja, de que não possui recursos próprios para manter-se dignamente.
  • A impossibilidade dos pais em prover os alimentos, seja total ou parcial.
  • A possibilidade dos avós, respeitando-se sua idade avançada, despesas próprias e o princípio da razoabilidade.

O STJ, em diversas decisões, já ressaltou que a obrigação não pode implicar no empobrecimento dos avós, que muitas vezes são aposentados e possuem renda limitada.

  1. Questões processuais relevantes: litisconsórcio e legitimidade passiva

Um dos pontos de debate mais comuns na prática processual diz respeito à formação do polo passivo da demanda. É necessário incluir todos os avós (paternos e maternos) em litisconsórcio passivo necessário, ou basta acionar aqueles de quem se presume maior capacidade financeira?

A jurisprudência do STJ tem entendido que não é obrigatório formar litisconsórcio entre todos os avós, cabendo ao alimentando escolher contra quais ajuizar a demanda, desde que haja prova da necessidade e da possibilidade econômica. Contudo, recomenda-se a inclusão de todos, a fim de evitar futuras alegações de nulidade processual.

Além disso, cabe destacar que os avós não respondem por dívidas pretéritas de alimentos dos pais. Ou seja, os alimentos avoengos não abrangem parcelas em atraso, mas apenas têm efeitos prospectivos, a partir da citação.

  1. Limites temporais e exceções

O caráter subsidiário da obrigação impõe limites. A intervenção dos avós é temporária e deve durar apenas enquanto persistir a impossibilidade dos pais em arcar com a pensão. Caso a situação dos genitores se altere, o encargo pode ser revisto ou extinto.

Há, contudo, situações em que a obrigação pode se estender por períodos mais longos, como nos casos de abandono completo do genitor ou de falecimento. Nesses contextos, os avós acabam assumindo função mais ampla, aproximando-se do papel parental.

  1. Críticas e reflexões

A responsabilidade dos avós na complementação da pensão levanta questionamentos relevantes. Muitos juristas criticam a utilização indiscriminada dessa obrigação, que, em alguns casos, pode levar a injustiças, sobretudo quando os avós têm rendimentos modestos.

Outro ponto sensível é a questão da responsabilização dos avós por dívidas passadas dos pais. Como visto, a jurisprudência limita a obrigação ao período após a citação, o que protege os avós de assumirem encargos retroativos que não lhes dizem respeito.

Ainda assim, na prática, é comum encontrar decisões que impõem aos avós uma responsabilidade mais ampla do que o previsto em lei, em nome do melhor interesse da criança ou do adolescente.

Os alimentos avoengos constituem importante instrumento de proteção do alimentando, garantindo sua subsistência quando os pais não cumprem integralmente o dever de prover os alimentos. A natureza subsidiária e complementar dessa obrigação assegura que ela não seja aplicada de forma automática, mas sim diante da comprovada necessidade.

É essencial que juízes, advogados e operadores do direito atuem com equilíbrio ao lidar com esses casos, ponderando o princípio da solidariedade familiar com a realidade concreta dos avós, que muitas vezes possuem recursos limitados e necessidades próprias.

Em síntese, os alimentos avoengos representam a efetivação prática do princípio da dignidade da pessoa humana, mas sua aplicação deve sempre respeitar a proporcionalidade, a razoabilidade e o caráter subsidiário, evitando distorções que possam onerar injustamente os avós.