Artigos | Postado no dia: 4 junho, 2025
Partilha de Bens e Filhos Fora do Casamento: Entenda os Direitos na Dissolução e na Sucessão

No direito brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988, não há qualquer diferença entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento. A Carta Magna assegura, no artigo 227, parágrafo 6º, que os filhos, sejam havidos da relação conjugal, extraconjugal ou por adoção, possuem os mesmos direitos e qualificações, vedada qualquer designação discriminatória relativa à filiação. Esse princípio foi plenamente incorporado pelo Código Civil de 2002, que eliminou qualquer distinção que existia entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotivos. Portanto, quando se fala em partilha de bens, é essencial compreender que a existência de filhos fora do casamento não interfere na divisão patrimonial do casal em vida, mas tem impacto direto na sucessão hereditária após o falecimento.
A partilha de bens, quando se trata da dissolução da sociedade conjugal — seja pelo divórcio ou pela dissolução da união estável —, ocorre exclusivamente entre os cônjuges ou companheiros, levando em consideração o regime de bens adotado na relação. Nesse contexto, a existência de filhos, sejam eles dentro ou fora do casamento, não interfere na divisão dos bens entre o casal enquanto ambos estiverem vivos. Por exemplo, se um casal é casado sob o regime de comunhão parcial de bens, na separação serão divididos igualmente os bens adquiridos de forma onerosa durante o casamento. Já os bens particulares, como aqueles adquiridos antes da união ou recebidos por herança e doação, permanecem de propriedade individual de cada cônjuge. Se o regime for de comunhão universal de bens, todos os bens, salvo aqueles com cláusula de incomunicabilidade, integram o patrimônio comum e serão divididos. No regime de separação convencional ou obrigatória, cada parte permanece com seus próprios bens, salvo em situações muito específicas, nas quais a jurisprudência pode reconhecer participação em determinados bens mediante prova de esforço comum. Portanto, na dissolução da sociedade conjugal, filhos fora do casamento não participam dessa divisão patrimonial.
Por outro lado, a questão dos filhos fora do casamento ganha total relevância no âmbito da sucessão. A morte de um dos cônjuges ou companheiros abre a sucessão e, nesse momento, todos os filhos, independentemente da origem, tornam-se herdeiros necessários, concorrendo de forma igualitária na divisão do patrimônio deixado. O artigo 1.829 do Código Civil estabelece a ordem de vocação hereditária, segundo a qual os descendentes utros relacionamentos, herdam de forma igualitária. A lei não faz qualquer distinção e qualquer tentativa de diferenciação seria considerada inconstitucional.
Para exemplificar de forma prática, imagine-se o caso de João, que é casado com Maria no regime de comunhão parcial de bens. Durante o casamento, o casal adquire uma casa e um automóvel. João tem dois filhos: Lucas, fruto do casamento com Maria, e Pedro, fruto de um relacionamento anterior. Na hipótese de divórcio, Maria e João dividirão, em partes iguais, os bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, a casa e o automóvel. Pedro, por ser filho fora do casamento, não participa dessa divisão, pois se trata de uma partilha patrimonial entre os cônjuges em vida. No entanto, se João vier a falecer, abre-se o inventário e tanto Pedro quanto Lucas terão direito, em igualdade de condições, à herança deixada por João. Se João detinha 50% da casa e do automóvel (pois a outra metade pertence a Maria, em razão do regime de bens), essa parte será dividida igualmente entre os dois filhos. Cada um receberá 25% dos bens, e Maria continuará com os 50% que já lhe pertenciam.
Se, em vez de casamento, João e Maria vivessem em união estável, a situação seria bastante semelhante. A união estável, conforme a legislação vigente e a jurisprudência consolidada, produz os mesmos efeitos patrimoniais do casamento, salvo se houver contrato escrito dispondo de forma diversa. Na falta de pacto, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, conforme entendimento majoritário. Portanto, na hipótese de falecimento de João, seus filhos, Pedro e Lucas, herdariam de forma igualitária a parte que João detinha sobre os bens comuns, bem como eventuais bens particulares.
É importante destacar que o cônjuge ou companheiro sobrevivente também possui direitos sucessórios. Se o regime for de comunhão parcial, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro dos bens comuns, pois já detém 50% desses bens em razão do regime. No entanto, concorre com os descendentes na herança dos bens particulares do falecido. Caso o regime adotado fosse separação obrigatória de bens — por exemplo, em casamentos realizados após os 70 anos, salvo convenção diversa ou entendimento jurisprudencial —, o cônjuge sobrevivente, segundo entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, é considerado herdeiro concorrente dos descendentes, situação que muitas vezes surpreende as famílias.
O impacto da existência de filhos fora do casamento se limita, portanto, à esfera sucessória. É absolutamente irrelevante para efeitos de partilha de bens decorrente da dissolução da sociedade conjugal em vida. Contudo, no falecimento, todos os filhos são chamados à sucessão, em condições de plena igualdade, o que muitas vezes gera conflitos familiares, especialmente em casos em que há filhos de relações anteriores que não mantinham vínculos afetivos ou de convivência com o falecido.
Por esse motivo, é altamente recomendável que as pessoas que possuem filhos de diferentes relacionamentos busquem fazer um planejamento sucessório adequado. O planejamento pode ser realizado por meio de instrumentos como testamento, doações em vida, constituição de holdings familiares, cláusulas restritivas e, ainda, por meio da escolha de regimes de bens que atendam aos interesses do casal. Vale lembrar que, mesmo com testamento, a legislação brasileira assegura aos herdeiros necessários — descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro — o direito à legítima, que corresponde a 50% do patrimônio total. A parte disponível, ou seja, os outros 50%, pode ser destinada livremente pelo testador a quem desejar, inclusive a um dos filhos de forma diferenciada, desde que devidamente formalizado no testamento.
Por fim, é importante esclarecer que a inexistência de qualquer discriminação entre os filhos não é apenas uma escolha legislativa, mas sim um imperativo constitucional, que busca assegurar a dignidade da pessoa humana, a proteção da família em suas diversas formas e a eliminação de preconceitos e discriminações. Portanto, quando se fala em partilha de bens em vida, filhos fora do casamento não participam, pois não são parte na sociedade conjugal. Contudo, na sucessão, todos os filhos, sejam do casamento, da união estável ou de qualquer outro relacionamento, herdam em igualdade de condições, o que reforça a importância de um planejamento patrimonial e sucessório bem elaborado para evitar litígios e assegurar a concretização da vontade do titular do patrimônio dentro dos limites legais.